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MITOLOGIA E LITERATURA

O mito da Moira

Eugenia Maria Magnavita Galeffi

O tema da Moira no Paradiso Terrestre

Em Il Paradiso Terrestre o tema da Moira se metamorfoseia em várias aparições: ora como tradição arcaizante das mulheres vestidas de preto que caracterizam a condição feminina no contexto insular; ora como os cartazes fúnebres que atapetam os muros das cidadezinhas, a fim de que aqueles que se foram sejam a cada minuto lembrados; ora como o monumento aos caídos de Dogali, batalha histórica em defesa da cidade de Agrigento (foto), com cuja inscrição o romance se abre; ora como a "cialoma", cantilena que acompanha a matança do atum e que se assemelha a uma trenódia grega; ora como a morte funesta de dois dos filhos de Don Gaetano, proprietário de Villa Ibla: Nunzio, que ao descobrir a verdadeira situação de filho ilegítimo, mata o irmão Luccio e se enforca em seguida; ora no contraste estarrecedor entre a situação privilegiada dos usuários do paradisíaco hotel Villa Ibla, com piscina e parque verdíssimo, e a condição dos habitantes da casbah que faziam filas quilométricas para encher suas vasilhas de água, distribuída por duas horas a cada quinze dias, quadro agravado pela seca que assolava a região; ora no pisoteamento de uma criança durante a procissão de San Calò, cuja multidão, no afã de ver o milagre da multiplicação dos pães, corre desenfreada, causando o acidente; na morte de Don Diego, pároco que procura desvendar o segredo da carta do Diabo, lenda que paira sobre a mítica cidade de Agrigento. Enfim, a Moira se contextualiza no destino pessoal de Vanni Corvaia, que sucumbe ao tentar resolver o velho problema hídrico de Agrigento. Havia a hipótese de que debaixo da cidade existissem lençóis freáticos no Hipogeu do Purgatório. Vanni, sozinho, e sem estar devidamente preparado, resolve embrenhar-se labirinto adentro, justamente após o dilúvio que se abatera sobre a cidade castigada pela seca havia meses. O protagonista é atraído cegamente pela fatídica Moira, em busca de uma solução para a sua vida. Ao perceber que ficara preso no Hipogeu do Purgatório, pois a chuva provocara o fechamento da passagem, tenta pronunciar o nome de Penélope, aquela que lhe dedicara momentos de doçura e prazer no Vale dos Templos, mas é Perséfone, a rainha do Hades, a deusa dos Infernos, que lhe sai dos lábios. Reconhece ter armado sua própria sepultura e se compara ao tolo atum que se deixa atrair para a câmara da morte.

Na religião grega, o paraíso destinava-se a raros heróis que por feitos extraordinários transformavam-se em semi-deuses. Todos os mortais destinavam-se, após a morte, a uma existência obscura no Reino do Hades, das Sombras.

No romance em questão, o personagem perde sua mãe ao nascer. Sabemos que quanto a esse aspecto "as Moiras influem sobre o nascimento de forma favorável ou desfavorável" [7]. Por outro lado, sua mãe manifestara sempre um desejo de morte, de fato, nunca conseguira sustentar a própria criação: "...tinha medo da gravidez e queria morrer... E tinha morrido" [8]. Esse fato imprime na personalidade de Vanni Corvaia melancolia, tristeza e desorientação, e principalmente uma grande fraqueza: "a necessidade de encontrar uma segurança originária, sua mãe, que nunca conhecera e à qual queria de novo unir-se" [9]. Também uma ausência de vontade, para criar, para empreender um novo destino: "era um arquiteto falido". Em contrapartida, essa fraqueza de Vanni se opõe ao espírito empreendedor do seu pai Pietro Corvaia.

Il Paradiso Terrestre é uma narrativa estruturada segundo o modelo baixo-imitativo retomado de Aristóteles por Frye, cuja temática sugere uma iniciação fracassada do ponto de vista da elevação espiritual.

Os símbolos referentes à tradição religiosa, mais precisamente, àqueles relacionados com a mitologia grega, e mesmo com o cristianismo, estão amplamente conectados com o destino de Vanni. A urdidura da trama está completa, o fio da vida de Vanni Corvaia é cortado pela implacável Átropos, a inflexível Moira.

As Moiras na visão do pintor Juan Medina, nascido em Santo Domingo, República Dominicana, e atual diretor da Escola de Belas Artes daquele país.

A figura da Moira em Sergio Campailla é bastante fatalista e isso deve-se à grecidade genética existente no autor assim como no habitante da ilha. Em uma entrevista, ele diz que no seu romance "existe uma presença significativa da Moira, que é um signo de destino". Ele se reconhece na tradição meridional, especificamente siciliana, "que é a conseqüência de uma história milenar" da qual se sente filho e expressão, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista familiar. Diz sentir e compreender através da sensibilidade " a experiência do homem da ilha que fica separado, que faz um esforço para pertencer, para integrar-se" o que considera "uma espécie de destino". Continua dizendo que "na cultura siciliana, mediterrânea, ou de origem grega, desenvolveu-se um fatalismo", que na sua obra é um tema recorrente e fundamental. No seu caso específico esta fatalidade vem sempre com uma 'joie de vivre'. Finaliza dizendo: "Eu sou um siciliano, sou um trágico".

Em comparação à concepção da Moira em Ésquilo, através das suas tragédias, podemos dizer que a figura da Moira existente na obra de Campailla é muito mais arcaica do que a do próprio poeta eleusino, que se apresenta mais atual em certos aspectos. Vejamos em que medida.

O tema da Moira em Ésquilo

Em Ésquilo há um forte idealismo no sentido de acreditar que um dia a Justiça (Díke) e a ordem suprema triunfarão, pois se o papel da Moira é regularizar o que foi além da medida (Métron), uma vez estabelecido o equilíbrio, a Moira agirá suavemente. Em outras palavras, quanto menor for o Pecado (Hamarthía), menor será o Erro (Ate) e a Vingança (Nêmesis) só agirá de acordo com a situação. Segundo Ésquilo, o antídoto contra a Moira seria a Temperança (Sofrosýne), pois somente esta pode estar em consonância com a Lei Suprema do Universo, que é, em outras palavras, o Divino.

Ésquilo (525 a.C. - 456 a.C.) - Dramaturgo grego, deu à tragédia sua forma definitiva, introduzindo a figura de um antagonista e reduzindo a importância do coro. Sua obra tem um tom dramático impressionante, mais arcaico do que em Sófocles ou Eurípedes, e pleno de imagens simbólicas. De sua vasta obra restaram apenas sete peças completas.

Em suas tragédias, Ésquilo nos demonstra uma certa evolução do pensamento mítico do seu tempo, pois certamente tinha conhecimento da ligação entre consciência e inconsciência da Moira, ou seja, entre determinismo e livre-arbítrio. No Prometeu Acorrentado o conceito de Moira era quase cego, assim como nos Sete Contra Tebas, onde o determinismo impera. Já nos Persas podemos dizer que há uma ligeira evolução do livre-arbítrio. Xerxes não estava consciente da sua hýbris, mas tendo visto o exemplo da morte de Dario, seu pai, na Batalha de Maratona, achou-se no direito de continuar a luta, apesar de ter sido admoestado para não fazê-lo, pois acreditava-se mais poderoso do que os deuses ao atravessar o Bósforo, sendo derrotado de maneira humilhante pelos helenos. Na Oréstia parte-se de um conceito maior de determinismo que vai diminuindo em escala decrescente até chegar ao de livre-arbítrio. Orestes, consciente do seu erro, mesmo se a este foi forçado pelo oráculo, tem a dimensão da própria culpa e, após a expiação, através da dor, redime-se e, de fato, é absolvido. Não só o julgamento no Areópago em que Palas Athena dá o voto do desempate beneficiando Orestes, liberando-o da culpa do crime de consagüineidade, ou melhor, de matricídio, como também a transformação das Erínias (Fúrias) em Eumênides (Benfazejas), mostram que o criador da tragédia idealizava um mundo melhor, resolvido nos seus conflitos, balanceado pelo equilíbrio da Justiça, podendo transmutar, assim, a atuação da Moira. Em outras palavras, o poeta eleusino interpretou diversamente a implacabilidade do Destino, dando-lhe uma certa flexibilidade.

Ésquilo, desse modo, realiza uma transfiguração da concepção da inexorabilidade da fatalidade, melhor dizendo, do próprio determinismo, que consiste em elevar o destino à categoria de Justiça, e pode ser identificado, simbolicamente com a era de Zeus, incorporada nos ideais da pólis democrática. De fato, ele nos desvela, na sua obra, um livre arbítrio que depende da responsabilidade ou da consciência de cidadania dos membros da pólis, consciência essa que exige um respeito às leis das tradições. Ele age como se estivesse profetizando a relação de harmonia com o destino através da ação consciente do Homem.

A Moira em Ésquilo assume um papel totalmente novo para a época, pois a solução achada por este para o julgamento de Orestes no Areópago, não só entre os deuses, mas também entre os homens, faz com que aquele conceito antigo de determinismo venha a ser transformado, pois, na sua obra, a mácula pode ser purificada ou diminuida através da dor; o sofrimento é, pois, a chave para a redenção da culpa. Este pode aplacar a Moira e o livre-arbítrio substitui-se ao cego determinismo [10].

Em Campailla, como podemos constatar, a Moira é ainda sinônimo de Fatalidade. Arraigada nos costumes ancestrais do povo siciliano está a Moira campaillana, a Moira primitiva e tautológica, ainda a Moira Ananké (Necessidade).

Vanni Corvaia precisava passar pelo labirinto e fazer a iniciação para poder ascender espiritualmente, mas não estava preparado e o acesso lhe fora vedado. Preso ainda ao determinismo instintivo, reconheceu ter agido como o atum, que inconscientemente é atraído para a câmara da morte. Constatou ter chegado até ali por suas próprias mãos. Pensou na nobre origem materna e lhe restou um consolo: "Era um arquiteto e morria dentro de uma grande construção, digna de Dédalo, arquiteto de Minos, digna de Feaz, arquiteto de Terão, digna de Imhotep, arquiteto de Zoser" [11]. Tateando no chão, encontrou um seixo e, em vez do epitáfio que lhe viera à mente, escreveu "Aiamola", grito de imolação entoado pelos pescadores ao cantarem a "cialoma".

Sergio Campailla continua demonstrando que sua veia artística não se esgotou, pelo contrário, ela está, mais do que nunca, rica de mitos e símbolos, seja que trate do mito da Moira, sempre presente em sua obra, seja que trate de labirintos e figuras mitológicas (Domani domani, romance ambientado em Roma e Interno, con gruppo, conto claustrofóbico que se passa nas catacumbas romanas de Santa Inês), seja que trate do mito da diáspora (Romanzo americano). Vanni Corvaia, adolescente ainda na sua primeira obra narrativa, o longo conto Una stagione in Sicília fez-se homem em Il Paradiso Terrestre, mas não suficientemente maduro para enfrentar o labirinto. Mas quem sabe se no seu próximo romance Campailla encontra um personagem enraizado e unificado com o seu próprio Eu? Seria um resgate de Vanni do labirinto. Eu, pessoalmente, achei o meu "centro" nos passos de Vanni. Não por acaso Campailla, na dedicatória do seu romance a mim, disse que a Moira nos tinha ligado no Paradiso Terrestre. Ele, com seu personagem, me ajudou no meu processo de compreensão interna, quem sabe, eu de algum modo possa ajudar o próximo personagem a se encontrar? Esta é, pois, a questão. Só o tempo o dirá, ou melhor, a Moira.

NOTAS

[7] A. Magris, op. cit., p. 48.
[8] S. Campailla. Il Paradiso Terrestre. Milano: Rusconi, 1988, p. 384. A tradução é nossa.
[9] Ibidem, p. 286.
[10] Cf. E.M. Galeffi.. O papel da Moira na tragédia esquiliana. In Representações da Antiguidade. III Congresso Nacional de Estuidos clássicos - IX Reunião da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, GT 11. Rio de Janeiro, SBEC/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, 1995. p. 39-40.
[11] S. Campailla, op. cit., p. 568.

BIBLIOGRAFIA

CAMPAILLA, Sergio. Abitare il Labirinto in Motivo, Archetipo, Parola. Per una tipologia del mito in letteratura. A cura di Cristiana Lardo. Roma: Vecchiarelli, 1998.
CAMPAILLA, Sergio. CAMPAILLA, Sergio. Il Paradiso Terrestre. Milano: Rusconi, 1988.
ÉSQUILO, SÓFOCLES, EURÍPEDES e ARISTÓFANES. Teatro Grego. Seleção, intr., notas e trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix.
FRYE, Northrop. Anatomia della Critica. Trad. di Paolo Rosa-Clot e Sandro Stratta. Torino: Einaudi, 1969.
GALEFFI. Eugenia Maria. O papel da Moira na tragédia esquiliana. In Representações da Antiguidade. III Congresso Nacional de Estudos clássicos - IX Reunião da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, GT 11. Rio de Janeiro: SBEC/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, 1995.
HESÍODO, Teogonia. A origem dos deuses. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1991.
HORTA, Guida Nedda B. Parreiras. A luz da Hélade. Rio de Janeiro: Ed. J. Di Giorgio, 1980.
MAGNAVITA, Flavio. A essência do drama em Ésquilo. Salvador, Bahia: 1961.
MAGRIS, Aldo. L'Idea del Destino nel Pensiero Antico. Trieste: Del Bianco, vol. I, 1984, vol. II, 1985.
PLATÃO. A República. 7ª ed. São Paulo, Atena Editora.
UNTERSTEINER, Mario. La Fisiologia del Mito. Milano: Fratelli Bocca, 1946.


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