A insistência de Chalaça em voltar para Portugal com D. João desagradou D. Pedro, que sentiu-se traído pelo companheiro de esbórnias. Mas D. João também não levou Chalaça em sua comitiva, deixando-o em má situação no Brasil. Só conseguiu reconquistar a amizade de D. Pedro em 1822, já muito perto dos acontecimentos que levariam à Independência. Chalaça acompanhou o príncipe a São Paulo como uma espécie de secretário particular, e tão bem desincumbiu-se de seu serviço que D. Pedro não queria mais prescindir deles. Por um lado, Chalaça era dono de caligrafia excelente, dominava várias línguas, escrevia com correção, tinha o pensamento organizado – era um virginiano, enfim, e com Saturno na 1, o perfeito administrador. Por outro lado, prestava também outros “servicinhos”, como arregimentar belas mulheres. A mais fascinante de todas surge na vida de D. Pedro exatamente nesta viagem a São Paulo e se chamava Domitila de Castro, que mais tarde receberia o título de Marquesa de Santos.
É fato sabido que Domitila teve um tórrido romance com D. Pedro. Mas é muito provável também, conforme aponta, por exemplo, Cipriano Barata, que Domitila e o Chalaça fossem amantes e estivessem mancomunados para extrair do príncipe o máximo possível de lucro. Teria sido, enfim, um típico caso de ménage a trois. O fato é que, a partir da Independência, a influência do Chalaça junto ao imperador aumenta a cada dia, o que se traduz em diversos títulos honoríficos e fortuna crescente.
O Chupa-Chupa na política
A lista de feitos do filho bastardo do Visconde de Vila Nova é imensa, dos quais destacamos alguns, todos envoltos numa certa certa névoa de imprecisão, já que o confidente do imperador jamais agia muito às claras:
- teria sido ele um incentivador direto da Independência, e o primeiro a compartilhar a intenção de D. Pedro em proclamá-la;
- foi ghost writer do imperador, que tinha pretensões literárias, escrevendo para ele discursos, textos para jornais e até mesmo artigos inteiros da Constituição de 1824;
- organizou uma espécie de gabinete particular, um “ministério paralelo” que influenciava importantes decisões do Império. Este suposto gabinete seria chamado pelos contemporâneos de Conselho Secreto, Camarilha Palaciana e Gavetário do Chupa-Chupa (!);
- mais tarde, após a morte da primeira esposa de Pedro I, a Imperatriz Leopoldina (uma mulher digna e eternamente traída), é Chalaça quem vai a Paris para pedir, em nome do Imperador, a mão da filha do rei Luiz Felipe, escolha que causou escândalo: um Imperador destrambelhado que se fazia representar por um enviado amoral e devasso…
Além do mais, Chalaça é o alcoviteiro, o oportunista, o intermediário de negócios escusos, o financista, o conselheiro do imperador, a alma danada que contribui para a preservação no poder do Partido Português e para a neutralização de homens públicos do porte de um José Bonifácio, entre outros.
Em 25 de abril de 1830 Chalaça parte para o reino de Nápoles como embaixador plenipotenciário do Império. A nomeação fora armada por seus adversários, e Chalaça jamais voltaria ao Brasil. Foi uma derrota temporária. Na Europa, Chalaça escreve três livros (dois deles destinados exclusivamente a denegrir a imagem de seu inimigo, o Marquês de Barbacena) e acaba sendo chamado a Portugal por D. Pedro, em 1833. Em 1834 morre D. Pedro, deixando viúva sua segunda esposa, Dona Amélia. Quatro anos depois, em 1838, Chalaça casa-se secretamente com Dona Amélia em Berlim e ali passa a viver.
Em 1851, velho e doente, Chalaça faz a partilha de seus bens entre os filhos legítimos e ilegítimos. Mesmo após tantos anos de luxo e ostentação, com dezenas de amantes e viagens de recreio, ainda deixa uma fortuna colossal, quatro vezes maior, por exemplo, do que a de sua oportunista sócia, a Marquesa de Santos.
Na tarde de 30 de dezembro de 1852, o Chalaça morre em Lisboa, no palácio dos Duques de Bragança, tendo seu filho e biógrafo registrado-lhe as últimas palavras durante a extrema-unção: “Padre José, eu amei demais as mulheres e o dinheiro…”
Um devasso e amoral Virgem-Peixes?
Nenhum Ascendente explica tão bem o papel escorregadio do bastardo Francisco Gomes no governo de Pedro I quanto Peixes, com o consequente stellium na casa 7 – típico do papel de conselheiro, de consultor (regente da 10 na casa 7 e em Libra) e do oportunista que se fortalece às custas dos escorregões dos adversários. Chalaça enriquece à sombra do Imperador, mediante negócios escusos e jamais deixando de ser o serviçal competente visto como indispensável. Não é o chefe, mas a eminência parda. Esta arte de tirar o máximo proveito possível de uma posição subalterna é típica do Sol em Virgem, enquanto o equívoco poder de sedução e a capacidade de envolvimento pessoal explicam-se pelos aspectos de Netuno com Vênus e Lua. O Chalaça inventou seu próprio espaço de trabalho e construiu um modus operandi original, ousado e baseado na ação marginal e na manipulação de bastidores (Urano em Leão na 6, regendo a 12 e em oposição a Plutão). A expressão “serviços reservados”, com que sua função é tratada em documentos oficiais do tempo de D. João VI e de Pedro I, expressa bem esta configuração.
Saturno tensionado no Ascendente, indicando uma insegurança básica e uma necessidade de supercompensá-la através da busca de respeitabilidade e status a qualquer custo, pode ser a chave para compreender este mapa.
Carlos Hollanda, ao interpretar a carta sem saber de quem se tratava, nela enxerga um potencial de atuação social, mas acerta na mosca ao fazer duas observações:
Ele pode ter desenvolvido um sentido universalista, mas as necessidades de defesa de si e dos seus (Saturno na 1 e Lua em Câncer) podem ter prevalecido.
É possível que tenha sido formado em Direito e Filosofia, mas provavelmente exerceu suas capacidades no campo político. Tendia a preocupar-se com reformas e com o bem-estar coletivo, como mostra sua Parte da Fortuna na casa 11 e Urano na casa 6. Mas o dispositor da Parte da Fortuna, Saturno, está em Áries e com aquela oposição fumegante.
Realmente, o Chalaça teve a chance de inscrever seu nome de forma muito mais positiva na história do Brasil e de Portugal. Não se formou em Direito e Filosofia, mas sua cultura deixou-o, na prática, muito próximo disso. Envolveu-se com a política da época como poucos, mas sua “oposição fumegante” e “as necessidades de defesa de si e dos seus”, como assinala Hollanda, trabalharam no sentido de levá-lo a utilizar os melhores talentos em exclusivo benefício pessoal. Poderia ter sido um grande estadista. Acabou sendo um dos maiores oportunistas de que este país já teve notícia.
Leia a série completa sobre as personalidades que levaram o Brasil da Colônia à Independência:
- Do Quinto dos Infernos ao Novo Mundo
- Carlota Joaquina, quase rainha da… Argentina
- D. João VI, apenas um comedor de coxinhas?
- Marquesa de Santos, a Titila do Imperador
- O dia em que a família real fugiu para o Brasil
- Chalaça, a sombra danada do Imperador
- Afinal, quem era o Chalaça?
- Chalaça, o homem do Chupa-Chupa
- Chalaça e PC Farias, estranhas semelhanças
- Dom Pedro I e Fernando Collor: a história se repetiu?