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AS MUITAS CARAS DE SÃO PAULO

Francesco Matarazzo, o conde

Fernando Fernandes

 

Este é o mapa do maior industrial de São Paulo. Aquele que tinha 365 fábricas, uma para cada dia do ano.

Dá para imaginar a cena de uma típica família paulistana da década de 20. Na mesa do café da manhã, a banha enlatada, o açúcar e o presunto cozido servidos pela dona de casa ao marido e a numerosa prole tinham no rótulo um só emblema: "IRFM - Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo." Na prateleira da cozinha, ela guardava amido brilhante, arroz Iguape, azeite para saladas Sol Levante, "o preferido pela sua pureza", lixívia São Jorge "sem rival para limpar cristais e panelas" e Licor Brasil, todos produzidos pelo imigrante italiano Francesco Matarazzo. Na estante do banheiro, um vidro de água de colônia Mimi, o sabonete Rex "que deixa sua pele acetinada" e ainda um frasco de perfume Sedução. [IstoÉ Especial (encarte) nº 1570]

Isso mesmo: nas décadas de 20 e 30 as Indústrias Reunidas Franceso Matarazzo alcançavam a exorbitância de 365 fábricas - uma para cada dia do ano, como se dizia. Era possível a uma família paulistana viver durante meses consumindo exclusivamente os produtos fabricados por esse imigrante italiano nascido em Castellabate, em 9 de março de 1854, e chegado ao Brasil em 1881. Foi o típico "imigrante que deu certo", que fez fortuna a partir do nada e morreu idolatrado e mitificado pela colônia italiana e pelo próprio governo italiano, que lhe concedeu o título de conde.

Não se conhece o horário de nascimento deste homem elegante, de 1,90 metro de altura, mas a carta solar já permite algumas conclusões. O Sol está em Peixes, em conjunção com Netuno. Vênus também se encontra no mesmo signo. A Lua está em algum lugar entre 11º30' e 23º21' de Câncer. Três planetas lentos, Plutão, Urano e Saturno, encontram-se no persistente signo de Touro, enquanto Júpiter ocupa o ambicioso Capricórnio. Marte, por sua vez, aparece no prático signo de Virgem. Com tantos planetas em Terra, não é à toa que Francesco Matarazzo tivesse a disposição realizadora para criar um império de 365 empresas.

Conde Francisco Matarazzo - 9.3.1854, horário não conhecido. Castellabate, Itália - 40n17, 14e57. A carta aqui apresentada foi calculada para as 12h e as casas não devem ser consideradas.

O que temos, em resumo, é um mapa onde nada menos que nove planetas encontram-se em signos femininos (Terra e Água). O que isto significa?

Os signos de Água têm a capacidade de sintonizar com as necessidades emocionais mais profundas de si próprios e de outros. A sintonia com estas necessidades gera uma acuidade maior no que se refere à compreensão das vulnerabilidades humanas (empatia) e um profundo sentimento de proteção, que pode voltar-se sobre o próprio indivíduo (autoproteção) ou sobre os demais, gerando uma constante busca de segurança.

Já os signos de Terra manifestam a capacidade de sintonizar com a realidade material e agir de maneira concreta sobre o mundo circundante. O senso prático, portanto, encontra-se relacionado a estes signos, da mesma forma como as atividades produtivas, em geral: os métodos de trabalho, a relação com a terra, a organização administrativa.

Quando se unem Terra e Água, o resultado é uma combinação fundamentalmente estável, pois ambos os elementos tendem ao repouso. Sob a ação da Água, a Terra se transforma em barro e depois em lama. É o ambiente ideal para a proliferação da vida: o charco, o lodo, o brejo. É uma combinação feminina e receptiva, à qual falta uma certa dose de iniciativa mas que, por outro lado, é de grande fecundidade, lembrando um solo fértil ou o útero materno. Indivíduos com esta combinação tendem a valorizar segurança, estabilidade, quietude, se bem que haja - na maioria dos casos - uma grande disposição para nutrir e sustentar os demais.

Estabilidade não faltou na vida do Conde. Seus hábitos eram tão previsíveis e sua rotina tão pontualmente metódica que os barbeiros e alfaiates de São Paulo acertavam os relógios pela passagem do velho empresário, no trajeto da mansão para as fábricas. Quanto à receptividade e sensibilidade emocional, o industrial também as teve de sobra: todos os dias visitava pelo menos uma das fábricas do conglomerado e proseava com os empregados. Sabia, como ninguém, fazer o relacionamento social e mostrar-se amistoso com os subalternos, do que resultava um alto grau de adesão às metas da empresa. O Conde seduzia para que seus empregados "vestissem a camisa". A charmosa conjunção Sol-Netuno, assim como a intimista Lua em Câncer, parecem explicar este dom. Por outro lado, em casa Francesco Matarazzo tratava com austeridade os treze filhos, mantendo com eles um grau de distanciamento que o fazia parecer temido e inacessível. Talvez a enorme permeabilidade emocional que se percebe em seu mapa (Sol-Netuno em Peixes, Lua em Câncer oposta a Júpiter) funcionasse para ele como uma ameaça, como se fosse um oceano de sentimentos do qual ele precisasse se proteger para não submergir. Por isso, provavelmente, resultava mais fácil lidar com empregados e com amigos da colônia italiana, já que era possível criar uma impressão de intimidade (Lua em Câncer) sob a proteção do respeito hierárquico (Júpiter em Capricórnio).

Talvez toda a construção do império Matarazzo tenha sido uma resposta à profunda necessidade de segurança de Francesco. De qualquer forma, com a capacidade materializadora da combinação Terra-Água, ele contribuiu decisivamente para moldar a paisagem paulistana de chaminés fumegantes a exalar a "feia fumaça que sobe apagando as estrelas".

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