MARTE NA CASA DEZ: instinto hierárquico e
social (instinto voltado para a estrutura da pólis).
Nada pedem os estudantes que não seja de alguma
maneira uma nova definição do Homem e da Sociedade,
do homem na sociedade. E pedem da única forma em que é
possível pedir neste momento, sem reivindicações
parciais, sem novos esquemas que pretendam substituir os vigentes.
Eles pedem com a entrega total de suas almas, com a atitude elementar
e incontestável de sair as ruas e protestar contra o mecanismo
opressor de uma ordem anacrônica e desvitalizada.
Os estudantes estão fazendo amor com o único
mundo que amam e que os ama. Sua rebelião é o abraço
primordial, o encontro máximo das pulsões vitais.
Na Casa da Argentina, como não iria se manifestar
esse salto para uma realidade autêntica, quando se reiteravam,
sob seu teto, a injustiça, a discriminação
e a omissão moral, que não eram mais do que um reflexo
do que se sucedia lá na Argentina e em tantos países
da América Latina? Como não compreender então
este sentido mais profundo que a evocação do exemplo
vivo de Che Guevara tem agora entre nós? Como não
compreender que o sintamos tão próximo dos jovens
que lutam nas ruas e discutem nos teatros? Para Che, só podia
e só pode haver uma homenagem: revoltar-se, como ele fez,
contra a alienação do homem, contra sua colonização
física e moral. Todos os estudantes do mundo que lutam neste
mesmo momento são, de alguma maneira, o Che.
NOSSOS JOVENS SÃO A ALMA DE CHE, depoimento
contido no documentário de Tristan Bauer
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Montagem de foto e mapa de Cortázar,
pelo artista plástico Miguel Paladino. |
VÊNUS NA CASA DEZ: imaginação
hierárquica e social (imaginação voltada para
a estrutura da pólis).
Sempre que passeio no tempo, em Buenos Aires ou em
Paris, sozinho, especialmente à noite, sei que não
sou a mesma pessoa que, durante o dia, leva uma vida normal. Não
quero fazer romantismo barato, não vou falar de estados alterados,
mas é evidente que andar numa cidade como Paris ou Buenos
Aires, à noite - esse estado de ambulatório em que,
em certo momento, deixamos de pertencer ao mundo comum, me situa
em relação à cidade e situa a cidade em relação
a mim naquilo que os surrealistas chamaram de "relação
privilegiada".
Nesse momento, ocorrem então as passagens,
as pontes, as osmoses, os sinais, as descobertas: tudo que gerou
grande parte do que escrevi. É por isso que qualifico Paris
de cidade mística. Andar por Paris significa andar na minha
própria direção. É impossível
descrever isso com palavras. Quando ando um pouco perdido nesse
estado que me faz observar cartazes, placas de bistrôs, pessoas
que passam, estabelecendo o tempo todo relações que
formam frases, fragmentos de pensamentos, sentimentos - tudo isso
cria um sistema de constelações mentais e, sobretudo,
sentimentais que determinam uma linguagem que não posso explicar
com palavras.
Nesse momento há em Paris, por exemplo, lugares
que sempre foram privilegiados para mim. O primeiro que me vem a
memória fica em Pont Neuf. Ao lado da estátua de Henrique
IV há um poste onde descemos para pegar o Bateau Mouche.
A noite, quando não há ninguém, esse lugar
me lembra um quadro de Paul Delvaux. Tem o mistério dos quadros
de Delvaux. Essa iminência de uma coisa que pode se manifestar
cria uma situação que não tem nada a ver com
categorias lógicas ou acontecimentos comuns.
Também poderia falar do metrô de Paris.
O metrô sempre foi para mim um lugar de passagem. Assim que
desço do metrô, entro numa categoria totalmente diferente
na qual a percepção do tempo muda. (...) Há
também as galerias cobertas, a Gallerie Vivienne, e aqueles
lugares em Paris onde as pessoas procuram lojas e que, no entanto,
são os lugares assombrados de Lautréamont, perto da
Bolsa. Essas galerias cobertas, que criam uma Paris mágica
e misteriosa, que eu chamo de "mítica".
PASSEIO PELA PARÍS MÍSTICA, depoimento
contido no documentário de Tristan Bauer.
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Carvalho.
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