Aline Alvarenga faz uma releitura dos clássicos
para explicar a melancolia como o requisito de Saturno para a grandeza
humana.
"Uma espécie de Deus Fluido corre nas
veias do Ser Humano."
(Victor Hugo)
"Em verdade, vos digo: vereis o céu aberto
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o filho do homem."
(João 1,50-51)
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Estátua de Marsilio Ficino na Itália.
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I- Introdução
O que me abriu a visão para o valor da Astrologia foi o dito
antigo:
"O tolo aos astros obedece, o sábio aos
seus governa."
A partir disso se coloca toda uma diferença entre a Astrologia
de Previsão e Descrição e a Astrologia
do Entendimento.
Minha busca no caminho astrológico tem sido
desenvolver, cada vez mais, a capacidade de governo das forças
da vida através da compreensão das energias celestes
e de seus propósitos.
A busca hoje, aqui, é entender a força
associada de Saturno em Gêmeos e Urano em Aquário,
e Saturno Câncer e Urano em Peixes, e o propósito criativo
dessa força.
II- Saturno e a Melancolia
Poucas palavras contêm tanta ambivalência quanto a palavra
melancolia. Desde os gregos, denomina ao mesmo tempo uma enfermidade,
um temperamento dos homens marcados pela grandeza.
Para a tradição protestante, a melancolia
é companheira do demônio; para a medicina é
um mal a ser extinto. Mas muitos gênios cantaram a melancolia:
- Diderot: o sentimento habitual de nossa imperfeição.
- Kant: a verdadeira virtude baseada em princípios.
- Victor Hugo: a alegria de estar triste.
Milton se refere à melancolia como a deusa
do êxtase poético e visionário, uma deusa sábia
e santa, filha de Saturno e Vesta. Ela tem uma função
psicológica dramática que é a intensificação
da consciência do Eu, um correlato da consciência de
morte.
Essa conexão estreita entre Melancolia e Saturno,
junto com as ligações entre a disposição
sangüínea e Júpiter. A colérica e Marte,
a fleumática e a lua, parece ter sido estabelecida, pela
primeira vez, por escritores árabes, século IX. Al-Kindt
distingue as quatro partes do círculo do dia segundo os quatro
humores ou temperamentos. Os nascidos no primeiro quadrante, desde
o ascendente até o meio-céu, são sangüíneos;
os do segundo, são coléricos, os do terceiro, melancólicos
e os do quarto quadrante são os fleumáticos.
A melancolia pode se expressar como depressão
ou loucura, pode ensinar a luz a se tornar em sombra, quando está
cercada pela Indignação, a Desconfiança e o
Desespero.
A vida contemplativa só existe a partir de
um certo grau de melancolia. O renascimento alemão reconhece
Saturno como senhor da melancolia e patrono da contemplação.
Para viver a melancolia, descrita por Goethe como uma submersão
em um mar de sensibilidade, intensificando a capacidade sensível,
é necessário se acompanhar de paz, quietude, silêncio
e ócio. Essa é a melancolia contemplativa, produtiva,
companheira de todo homem que atingiu a grandeza.
III- Marsilio Ficino e a
Síntese dos Opostos
Segundo Platão, a melancolia é um "furor divino",
que faz do coração como um Deus que sai de si, em
busca de um caminho mais que terreno.
Para Aristóteles, não ser melancólico
é sinal de insignificância, já que todos os
grandes homens são melancólicos. A idéia aristotélica
é que a melancolia é um dom singular e divino e está
ligada a pensamentos profundos que levam a tomar maior consciência
da solidão humana.
Mas foi Marsilio Ficino quem realmente deu forma
ao homem genial melancólico e revelou essa idéia ao
resto da Europa, conquistando a aceitação da aristocracia
intelectual do mundo. Pena que no conquistou os astrólogos.
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Ficino, médico e astrólogo do século
XV (1433-1499), buscou a síntese entre o pensamento
aristotélico e o neoplatonismo cristão. Essa
síntese foi colocada a serviço da Astrologia
e da Medicina. O propósito expresso de seus esforços
era mostrar, ao homem saturnino, alguma possibilidade de escapar
dos perigos de seu temperamento e patrono celestial e desfrutar
de seus benefícios. Mas sua obra vai muito além
de sua intenção original. O sistema desenvolvido
por Ficino foi absolutamente revolucionário para o
pensamento médico e científico: sem ele, jamais
teria surgido o pensamento de Paracelso.
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Para Ficino, a alma possuía três faculdades
distintas que formavam um todo hierarquicamente ordenado: a imaginação
(imaginatio), a razão discursiva (ratio), e a razão
intuitiva (mens). Só as faculdades inferiores do homem estavam,
até certo ponto, sujeitas a influência dos astros;
as faculdades da alma, em particular a "mens", eram essencialmente
livres.
A influência das forças cósmicas
tem que se haver com a consciência individual, o problema
astrológico é a questão vital da vontade humana,
consciente ou inconsciente: é a questão da eleição
ética. O humano, ser ativo e pensante, é fundamentalmente
livre e pode, inclusive, governar a força dos astros, expondo-se
de maneira consciente e voluntária à sua influência.
Para tanto, ele propõe uma autoterapia astrológica,
uma reordenação deliberada de sua própria razão
e imaginação. Essa é a "Magia Natural"
de Ficino.
A obra de Ficino acaba culminando em uma glorificação
de Saturno, o Deus-Ancião que renunciou ao mando em troca
da sabedoria e trocou a vida no Olimpo por uma existência
dividida entre a mais alta esfera do céu e as profundidades
mais interiores da Terra.
Shakespeare, Cervantes, Michelângelo, são
alguns exemplos dessa melancolia conscientemente cultivada. Pois
a síntese mais perfeita para a inteligência se atinge
quando o verdadeiro humor se acerca da melancolia, ou quando a verdadeira
melancolia se transfigura pela ação do humor.
IV- A Melancolia Generosa
No século XIX, Keats, em sua "Ode à
Melancolia", demonstra que só pensando na transitoriedade
das coisas criadas e sentindo sua própria dor, pode apropriar-se
de sua beleza viva.
A melancolia generosa é fruto da contemplação
saturnina com a luz uraniana, o Anjo da Esperança. Saturno
é o tempo, Urano é atemporal. A genialidade humana
só é possível através da fecundação
do Divino. Saturno é a realização da semente
humana (?) e a estrutura para acolher e conter a semente do divino
Ouranos, Mente Universal.
Para que a semente do espírito possa ser acolhida,
o ego, estrutura tipicamente masculina, precisa tornar-se a alma-mulher,
tornar a personalidade em templo para a nutrição da
semente-luz.
Vivemos um tempo que nos convida a tentar esse estado
de contemplação, com templo construído por
nossa condição humana e pelo furor divino da melancolia
de se ver pequeno e de se saber capaz de grandeza.
Esta é a questão para o Livre Arbítrio:
dizer sim à luz e dizer não às trevas. A luz
e a treva estão em cada um e é cada um que deve se
haver com elas. É a estas condições internas
que se deve uma posição de sim e de não. Esta
é a dualidade humana: um sim e um não para identificar
os possíveis caminhos.
Não ao caminho pessoal e social de criar o
inferno na Terra; sim ao caminho de criar o céu na Terra.
Pois, como diria Dane Rudhyar: "O agora
está sendo fecundado pela eternidade."
Assim seja.
Saiba mais sobre Aline
Alvarenga.
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