Nossa sociedade, cujas raízes estão
no modelo patriarcal greco-romano, desaprendeu a lidar com o feminino.
Entre os caldeus da Mesopotâmia, porém, estudar os
céus e fazer predições era um atributo de sacertodisas
dos cultos lunares, as astrólogas-matemáticas.
(...)"Os caldeus eram "veneradores da lua".
Esse povo tinha astrônomos que eram simultaneamente astrólogos
e baseavam grande parte do seu sistema nos movimentos da Deusa-Lua.
Seu zodíaco era conhecido como Casas da Lua. A maioria dos
observadores lunares eram mulheres, sacerdotisas encarregadas de
determinar o momento correto das estações para plantar
e colher, fazer calendários (lunares) etc. Plínio
afirmou que o estudo dos céus, para predizer eventos como
eclipses, era tradicionalmente trabalho de mulheres. A predição
através das luzes dos céu foi outra particular atribuição
da Deusa-Lua e suas sibilas, uma palavra com a mesma origem do nome
da deusa Cybele (sibila) e possivelmente derivada
da palavra caldéia subultu - a Celestial Virgem
(da constelação de Virgo). Um termo arcaico para divinação
astrológica era mathesis, "o Aprendizado",
(também saber, cultura, erudição), que quer
dizer literalmente Mãe-sabedoria. As astrólogas
caldéias eram Matemáticas (mathematici),
sábias-mães.
Orígenes afirmava que as estrelas eram espíritos
inteligentes e hábeis em enxergar o futuro e comunicar seu
conhecimento através da observação dos seus
movimentos."(...) [Estas e as demais
citações foram traduzidas e sintetizadas das fontes
constantes na bibliografia, no final do artigo.]
Os arqueólogos encontraram um pedaço
de osso do período neolítico com marcas que acreditam
ser marcações do movimento da lua.
A observação sobre astrólogas-matemáticas
me recordou esta observação de Hoernes sobre a pré-história
e o período neolítico: "O estilo geométrico
é primordialmente um estilo feminino". Interessante
esta afirmação, porque sabemos o quanto a astrologia
é geométrica. Teriam então no período
neolítico existido o "espaço e tempo" necessários
para o nascimento destas idéias de culto lunar, das estações
e concepções geométricas?
(...) "A cultura rural do campesinato, que se
desenvolve à margem da vida econômica flutuante das
cidades, permanece fiel a padrões de vida estritamente regulados
por princípios que são transmitidos de geração
em geração, e mesmo na arte camponesa dos tempos modernos
observam-se certas características que se relacionam ainda
com o estilo geométrico dos tempos pré-históricos.
(...)".
Sabemos que a vida no campo é uma vida primitiva
e estática, contemplativa, meditativa, mesmo nos dias atuais.
Vida que é ligada ao princípio da terra, de observar
estações e ciclos, nascimento e morte, atributos que
são totalmente femininos. O signo de Virgem (Virgo) é
notadamente conhecido pelo seu detalhismo e técnica apurada
no que faz. Também existe uma confusão com o verdadeiro
sentido do título "virgem". Na verdadeira concepção
do termo, virgem não significa a virgindade física,
mas significa antes: "a que não se casou", o que
são coisas muito diferentes. A "Virgem Sagrada"
era o título das sacerdotisas de Ishtar/Asherat/Afrodite.
O trabalho destas virgens era devotarem-se à deusa-Mãe,
tinha conotação de devoção sexual, de
cura, de profecia, envolvia danças sagradas e as sacerdotisas
eram também as noivas do deus (e portanto virgens sagradas).
A jovem nas sociedades antigas não
se casava, mas limitava-se a mudar de condição
de filha para mulher (conseqüentemente mãe). Em
latim diz-se que é levada, ou dada "in matrimonium"
para aceder à condição de mater
(mãe). No mito de Atrahasis, em tempos babilônicos,
o autor fala sobre o primeiro casal humano: "(...) esposo
e esposa se deitem juntos (e) quando, para instituir o casamento,
eles glorificarem a deusa Ishtar, que a alegria reine nove dias."
Trata-se de uma clara referência ao ato sexual. Também
encontrei referências ao casamento com sacerdotisas mesopotâmicas,
as de alta posição se chamavam "naditum",
as de posição inferior "shugetum". |
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O fato de nossa civilização desenvolver
toda uma concepção psicológica, filosófica
e moral tendo como origem a civilização greco-romana
acarretou grande desequilíbrio ao feminino.
A democracia tão propagada era no mínimo
utópica (ainda o é). Mulheres, crianças e escravos
eram seres marginais, não existiam para a sociedade, apesar
de existirem em gênero, número e grau. Em visita à
Sicília - Itália, vi inúmeras imagens de devoção
em um museu, estavam lado a lado, esculpidas num só bloco,
figura feminina e figura masculina, não eram datadas, mas
com certeza provenientes de um período em que a devoção
era a mesma para Deus e Deusa. Apesar de venerarem as deusas em
templos maravilhosos, os gregos já não compreendiam
mais a verdadeira expressão de ser das deusas lunares, pois,
se compreendessem, seria improvável a existência de
comportamento tão mesquinho e desumano com as mulheres. Este
mesmo comportamento preconceituoso e patriarcal dos homens gregos
é adotado com naturalidade até os dias de hoje e é
reforçado pelos preceitos preconceituosos do Velho Testamento.
O patriarcado é uma forma de organização
política, seja no nível da sociedade global seja no
do grupo familiar, em que a autoridade é detida pelo homem
mais velho, o patriarca, que o transmite ao primogênito (repense
aqui a história do patrimônio...). A patrilinearidade
e a matrilinearidade são reconhecimentos de laços
consangüíneos. Os autores se dividem quanto à
real existência de uma sociedade matriarcal na antiguidade.
Mas apontam para um fenômeno atual, o das famílias
matricentradas, que ocorre nas sociedades do ocidente, por conta
dos inúmeros divórcios. O que apenas reforça
a imensa necessidade de trabalho social voltado para o feminino
- analisado a partir do próprio feminino - e para a criança.
O que existe na atualidade são muitas mães e filhos
pagando com as próprias vidas o alto custo de se viver numa
sociedade masculina e violenta.
Bibliografia:
WALKER, Bárbara G. The Woman's Encyclopaedia of Myths
and Secrets - Ed. Harper-Collins - tradução parcial
da p. 71 e p. 1048
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura
- Ed. Martins Fontes
História da Família - Mundos Longínquos
- primeiro volume - vários autores - Ed. Terramar
FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo. História da
Alimentação - Ed. Estação Liberdade
Revistas de edições variadas: Medioevo, Archaeology
e Archeo
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