Revista Constelar - Matéria Principal

O primeiro automóvel a circular legalmente no Brasil pertenceu a Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, e o licenciamento, concedido pela prefeitura do Rio de Janeiro, ocorreu em 29 de agosto de 1903. A carta solar deste acontecimento, calculada para o horário-padrão do meio-dia (não temos a hora exata), pode ajudar a explicar por que o Brasil é o recordista mundial em casos de morte e invalidez por acidentes de trânsito.

Marte, significador genérico de veículos motorizados, está em 14°04' de Escorpião, em trígono com Júpiter em Peixes. Este aspecto fluente a unir dois planetas em domicílio assinala o gosto do brasileiro pelo automóvel e sua natural inventividade em assuntos de mecânica. Contudo, Mercúrio, que é significador de veículos em geral, e também das vias de transporte e dos assuntos de trânsito, encontra-se no primeiro grau de Libra, em conjunção com Vênus e em quadratura com Netuno em Câncer. A presença de Netuno nesta configuração antecipa os problemas que viriam a seguir, com a popularização dos carros de passeio: a atitude excessivamente confiante e descuidada dos motoristas, a sinalização deficiente das vias públicas, o trânsito caótico e a compreensão confusa dos códigos. Netuno é também um significador de estados alterados de consciência, inclusive aqueles provocados pelo uso abusivo do álcool (as estatísticas são claras ao destacar a embriaguez como causa fundamental de acidentes). Netuno está ainda em quadratura com o eixo dos nodos lunares, o que destaca ainda mais a importância deste planeta como fator preponderante na caracterização do perfil do motorista nativo.

Abaixo, eis a carta solar (calculada para o meio-dia) da data do licenciamento do primeiro veículo no Rio de Janeiro:

A Lua encontra-se no atirado signo de Sagitário - um aspecto de "pé na estrada", mostrando o motorista brasileiro como um amante das grandes viagens rodoviárias - e forma uma quadratura com o Sol em Virgem. Urano em Sagitário encontra-se em oposição com Plutão em Gêmeos, ambos fechando uma quadratura com Júpiter em Peixes. São configurações difíceis, já que ativam exatamente o eixo do movimento e da velocidade - Gêmeos-Sagitário - e apontam para problemas como irritabilidade, imprevisibilidade e tendência a utilizar a via pública como um espaço de afirmação de poder pessoal. A quadratura Urano-Júpiter, em especial, é perigosa na medida em que simboliza uma permanente disposição para contestar normas estabelecidas para o bem da coletividade. O motorista brasileiro é individualista, pouco consciente de sua responsabilidade ao volante e rebelde quanto ao cumprimento de diretrizes estabelecidas pela autoridade competente.

Uma das possibilidades desta carta é que o aspecto Mercúrio-Vênus-Netuno seja a expressão astrológica do jeitinho, eterno recurso brasileiro para contornar o rigor na aplicação de dispositivos legais. Libra é o signo da eqüidade, do fairplay, do contrato social. Com Netuno a afetar Mercúrio e Vênus neste signo, multas sempre podem ser transformadas em "cervejinhas". A cerveja, bebida alcoólica, vale aqui como eufemismo para suborno, e não custa lembra que ambos - cerveja e eufemismos - denunciam a conotação netuniana.

O mesmo aspecto, somado à quadratura Plutão-Júpiter, relaciona-se também ao quadro de corrupção que assola as relações entre motoristas e departamentos de trânsito. Aí está o retrato astrológico das máfias de despachantes, da criação de dificuldades para a posterior venda de facilidades e do negócio escuso dos ferros-velhos e desmanches de carros roubados.

Para entender por que se morre com tanta facilidade nas estradas nacionais, basta verificar como este mapa do primeiro licenciamento ativa configurações do mapa da Independência do Brasil. A quadratura Mercúrio-Netuno da carta de 1903 ocupa na carta do Grito do Ipiranga as casa 8 (morte) e 5 (disposição para correr riscos como forma de auto-afirmação), mostrando que, no Brasil, a loucura coletiva nas estradas é uma espécie de loteria letal. Estes dois planetas, aliás, fecham uma quadratura T exatamente com Urano da carta de 1822, regente do Ascendente do Brasil. Marte, nas duas cartas, está em Escorpião, ativando a casa 9 da Independência e formando oposição com o Saturno de 1822. Neste sentido, o mapa do primeiro licenciamento reforça o da Independência no que este tem de mais crítico no eixo do movimento e das vias públicas (casas 3-9). Plutão e Júpiter do primeiro licenciamento afetam tensamente, por quadratura e oposição, Mercúrio regente da 8 na carta do Grito do Ipiranga e presente na cúspide desta mesma casa.

Tantas reiterações envolvendo a casa 8 refletem-se nos piores índices de segurança no trânsito do mundo. O pioneiro Bittencourt Sampaio, ao obter sua licença naquele distante 1903, estava selando o mapa das futuras "estradas da morte".