A Rede Globo, ao popularizar personagens de ficção
como a Paola, de Terra Nostra, atualiza o arquétipo
feminino presente no mapa de São Paulo e aponta para uma
tendência possível: o padrão de mulher paulistana
estaria prestes a superar a Garota de Ipanema no imaginário
nacional?
Rita Lee é mesmo a tradução
de São Paulo, como afirma Caetano Veloso? Basta uma olhada
em sua carta para termos certeza que sim. Nascida em 31 de dezembro
de 1947, Rita Lee Jones, em cujas veias corre sangue de sulistas
americanos e de italianos, é um produto da mistura de raças
e culturas que está na essência da cidade. Eu seu mapa,
Sol e Mercúrio conjuntos em Capricórnio falam da ambiciosa
determinação que a conduziu ao estrelato, assim como
do humor ácido e sarcástico deste signo de Saturno.
São Paulo tem o Sol em Aquário, domicílio
tradicional de Saturno; Rita Lee o tem em Capricórnio, o
outro domicílio. São Paulo tem o Sol em quadratura
com Netuno em Touro, signo de Vênus; Rita Lee tem a mesma
quadratura, mas com Netuno em Libra, também um signo de Vênus.
São Paulo tem Vênus em quadratura com Urano; Rita Lee
tem Vênus em Aquário, signo de Urano. Sol e Vênus
estão em signos trocados nas duas cartas. Rita tem Lua e
Marte em oposição ao Plutão de São Paulo:
a cidade lhe dá força, fornece combustível
para seu talento. Rita é uma das vozes desta metrópole
de mulheres determinadas.
Lua e Vênus, no mapa de uma cidade, explicitam
um padrão de ideal feminino compartilhado coletivamente.
São Paulo valoriza as mulheres fortes, corajosas, intensas,
extremadas (Lua em Escorpião - a mamma controladora
e às vezes castradora) e ao mesmo tempo deseja-as discretas,
sóbrias, boas administradoras, financeiramente independentes,
centradas na realidade - e tudo isso sem perder a feminilidade (Vênus
em Capricórnio). A mulher dos sonhos do paulistano é
ambiciosa e capaz de entender e apoiar os projetos profissionais
do seu homem. Pode ser um vulcão de lascívia
e sensualidade, desde que entre quatro paredes.
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A primeira beldade paulistana a chamar a atenção
do país foi Domitila de Castro, a Marquesa de Santos,
amante do imperador Pedro I. Domitila, nascida em 27.12.1797,
tinha o Sol em Capricórnio em oposição
a Saturno, Lua em Áries, signo de Marte, e Vênus
em Aquário (signo tradicionalmente de Saturno) em conjunção
com Plutão. Foi a precursora de uma linhagem de mulheres
que incorporam valores de Capricórnio e Escorpião
- ou de Saturno e Marte. A foto é da Marquesa já
idosa, em companhia de uma neta.
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O Brasil como um todo pode valorizar a mulher exuberante
e alegre que Vênus em Leão e Lua em Gêmeos delineiam
no mapa da Independência e que Carmen Miranda encarnou de
forma tão caricatural. Na pequena notável,
Gêmeos está nos olhos vivos, travessos, e nos braços
inquietos cheios de pulseiras balouçantes. Leão, naturalmente,
rege aquele hiperbólico penteado de abacaxis e bananas. O
Rio de Janeiro pode apaixonar-se pela garota cheia de graça
a caminho do mar (Lua em Peixes), mas pronta também para
levantar a bandeira da igualdade de direitos e da liberdade sexual
(Vênus em Aquário). São Paulo, porém,
tem seu padrão específico, nem sempre valorizado pelo
restante do país. Contudo, o quadro parece estar mudando.
Um termômetro desta tendência é a mudança
de postura da toda-poderosa Rede Globo, que sempre impôs o
estilo de vida e os valores cariocas como se fossem um "padrão-Brasil
de comportamento". A correção de curso é,
aliás, reflexo de uma estratégia de marketing, já
que o principal mercado consumidor do país (e alvo principal
das campanhas de publicidade) está hoje, mais do que nunca,
em São Paulo.
No início de 2000, São Paulo virou
tema de nada menos que três produções da Rede
Globo, as novelas Vila Madalena e Terra Nostra e a
minissérie A Muralha. Em Terra Nostra, uma
atriz até então desconhecida (Maria Fernanda Cândido)
explodiu para o estrelato interpretando a personagem Paola,
uma jovem imigrante italiana que se apaixona pelo banqueiro Francesco,
homem sensível, generoso... e com idade para ser o pai dela.
Paola é ativa, independente, determinada, e seu grande sonho
é tornar-se uma empresária bem sucedida. É
um tipo Vênus em Capricórnio, que se revela nos projetos
ambiciosos, no trabalho duro voltado para a ascensão social
e na busca de um parceiro que inspire segurança.
Na mesma novela, a personagem Giuliana (Ana
Paula Arosio), que tem coragem de abandonar tudo pelo amor de seu
homem e a determinação para lutar pela posse dos filhos,
expressa algumas características positivas da Lua em Escorpião.
Já em A Muralha, série ambientada
na fase inicial da expansão bandeirante, no início
do século XVII, surge também uma personagem que corporifica
outros aspectos da Lua escorpiniana: é a selvagem Isabel
(interpretada por Alessandra Negrini), a moça que vive como
homem, acompanhando as expedições pelo sertão
à caça dos índios. Isabel tem o comportamento
reservado de Escorpião, um mutismo feroz que não deixa
entrever qual será seu próximo passo. É ciumenta,
vingativa, às vezes cruel. Pode agredir o outro ou a si própria.
Tanto Giuliana quanto Isabel tematizam,
no nível da ficção, traços marcantes
da Lua em Escorpião, especialmente a intensidade emocional
capaz de levar ao comportamento extremista. São representações
de mulheres fortes.
Há mais de dois anos Netuno em trânsito
vem ativando por quadratura a Lua natal de São Paulo. Nos
últimos meses é Júpiter que tem ido e voltado
nos limites de Áries e Touro, ativando a Lua paulistana por
oposição. Por outro lado, a Vênus do mapa do
Grito do Ipiranga, dirigida por arco solar, está ativando
a conjunção Sol-Mercúrio-Marte da carta de
São Paulo. Seria a hora da glamurização da
mulher da paulicéia? Neste limiar do século XXI, estaríamos
trocando as garotas de Ipanema e a sensualidade baiana - nossos
ícones femininos tradicionais - pelo charme da self-made
woman dos escritórios da Av. Paulista?
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Fernandes.
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