Esta matéria, publicada por Constelar
às vésperas do grande eclipse de agosto de 1999, continua
tão válida hoje quanto há quatro anos. Inúmeros
eclipses depois, a mesma superficialidade e o mesmo sensacionalismo
continuam confundindo eclipses, mudanças de era, profecias
de origem não-astrológica e a histeria pela virada
de calendários.
A proximidade do ano 2000, somada ao medo gerado
pelo eclipse, desencadeia uma onda mística e nem sempre bem
fundamentada, que mistura profecias, previsões astrológicas
e muita desinformação. O que é exatamente um
eclipse? E o que é uma era astrológica? Estamos no
final da era de Peixes ou no início da era de Aquário?
Milenarismo é o conjunto de idéias
místicas e, na maioria das vezes, catastrofistas que se apoderam
da mentalidade popular às vésperas das passagens de
milênio. Foi assim pouco antes do ano 1000, quando a cristandade
preparou-se para o fim do mundo penitenciando-se nas igrejas e seguindo
profetas desvairados. Foi assim novamente às vésperas
do ano 2000. Como potencializador da histeria coletiva de crentes
das mais variadas seitas (e do olímpico desprezo da comunidade
científica), o eclipse total do dia 11 de agosto surge como
o marco desencadeador de grandes transformações planetárias.
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O estilista Pacco Rabanne, famoso estilista
e perfumista, deixou-se apavorar pelas profecias envolvendo
o eclipse de 99. |
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Em matéria intitulada Rabanne larga a tesoura
e anuncia o fim do mundo, o Jornal da Tarde de São
Paulo informa que o famoso estilista prevê para a data do
eclipse uma hecatombe que se abaterá sobre Paris e o sudoeste
da França, com base na interpretação de profecias
de Nostradamus e de previsões da antiga astróloga
do presidente Mitterrand, a também vidente Elisabeth Teissier:
Pelo que avança a dupla de videntes, 20 milhões
de pessoas morrerão nas duas regiões sob a fúria
do anticristo, que fará despencar lá do alto a nave
espacial russa Mir ou a sonda americana Cassini, carregadas de plutônio
e camufladas na escuridão provocada pelo eclipse total do
sol naquele mesmo dia.
A desgraça final seria particularmente espetacular
às margens do Sena, pois o vidente-estilista "vê"
o rio sendo iluminado por milhares de tochas humanas vivas, que
nele se precipitarão de seus paredões, pontes e dos
edifícios próximos.
A ilustração disso está na rumorosa
70.ª quadra da 10.ª centúria das profecias de Nostradamus,
na qual o mago anunciaria o apocalipse de Paris e adjacências,
sob a forma da vinda do céu do "grande Rei do Terror",
em 1999. [Jornal da Tarde, São
Paulo, caderno Variedades, 26.7.99.]
Na verdade, a quadra em que se baseiam as previsões
de Rabbane é obscura o suficiente para permitir dezenas de
interpretações. Não há nada nela que
permita identificar com absoluta certeza referências ao eclipse
ou à cidade de Paris. Os próprios especialistas em
Nostradamus são os primeiros, aliás, a reconhecer
que a ambigüidade das previsões do mestre, sempre escritas
em linguagem "cifrada", facilita o charlatanismo e alimenta
a histeria de seitas que se transformam em verdadeiras indústrias
de lucro fácil. De qualquer forma, 11% dos franceses, segundo
a matéria, acreditam no iminente apocalipse, para contrariedade
dos cientistas.
O eclipse também é o assunto de capa
da edição da primeira semana de agosto de 1999 da
revista IstoÉ, que faz um levantamento detalhado dos
movimentos milenaristas que arrebatam multidões no Brasil
e no exterior. Em tom sempre irônico, a longa matéria
afirma que, com a proximidade do eclipse e da virada do milênio,
"essa turma de supersticiosos, catastrofistas, milenaristas
e fundamentalistas acendeu o pisca-alerta", e exemplifica com
relatos sobre grupos de penitentes católicos no Ceará
e com histórias de seitas que aguardam a salvação
trazida por extraterrenos. No meio de toda esta salada, um curto
parágrafo com as declarações de dois astrólogos
brasileiros:
Embora a Terra registre uma média de dois eclipses
solares ao ano - o último que passou pelo Brasil foi em 3
de novembro de 1994 -, os astrólogos consideram o do dia
11 o mais tenso do milênio. Ele desenhará no espaço
uma espécie de cruz cósmica, tendo a Terra ao centro;
o Sol, a Lua e Urano no eixo vertical; Marte e Saturno alinhados
no eixo horizontal. Para a astrologia, Urano, Marte e Saturno são
planetas ligados a crises, mudanças e conflitos. "É
como se os planetas tivessem guerreando. E será uma batalha
feia", avisa o diretor do centro astrológico carioca
Astrotiming, Otávio Azevedo. Bárbara Abramo, especialista
em astrologia política, aponta um período de conflitos
bem terrenos. "A imagem da cruz cósmica poderia ser
resumida como se toda a sociedade, dividida em governo, povo e forças
armadas, e uma quarta força, representada pelos recursos
naturais, estivessem segurando um pé da mesma mesa e cada
um puxasse para o seu lado", afirma Bárbara. "No
Brasil, os conflitos de terra e as questões sindicais vão
estar mais acirradas. O governo vai ter seu poder questionado e
vai avaliar se deve ou não colocar o Exército nas
ruas", previu a astróloga. Em tempo: ela falou isso
antes da greve dos caminhoneiros.
A matéria, que tenta ser um grande painel
da movimentação de grupos os mais heterogêneos
em torno do eclipse e do fim do milênio, trata a questão
de forma superficial e, ao misturar a opinião de astrólogos
com a de videntes e místicos, acaba dando a falsa impressão
de que são todos representantes do mesmo modelo de mentalidade
supersticiosa. No caso de Barbara Abramo, a matéria pelo
menos registra o acerto de suas previsões sobre a possibilidade
de uso de força militar, mas omite o fato de que a astróloga
paulista não está fazendo afirmações
genéricas sobre o significado do eclipse, mas sim aplicando
suas configurações aos diversos mapas que permitem
uma avaliação da situação brasileira
contemporânea, como as cartas da Independência e da
Proclamação da República.
Na verdade, para entender o eclipse e a crise do
fim do milênio do ponto de vista astrológico, é
preciso antes desembaraçar esta questão de suas outras
abordagens, especialmente aquelas que decorrem de cosmovisões
místicas ou da simples histeria coletiva. Astrólogos
não são profetas, e profetas nem sempre são
astrólogos.
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Pouco antes do ano 1000, profecias
assustadoras davam conta de que com o final do milênio
viria o Apocalipse, quando a humanidade, arrebatada, seria partilhada
entre anjos e demônios infernais. |
Astrologicamente, a virada do milênio não
tem nenhuma importância em si, até porque é
um fenômeno do calendário civil, que marca o tempo
a partir de eventos significativos para alguns grupos humanos -
mas não para todos. Se a cristandade está às
vésperas do ano 2000, o mesmo não ocorre com muçulmanos,
judeus ou budistas, que adotam calendários diversos, a partir
de outros referenciais. Já os eclipses apresentam real interesse
para a Astrologia, por serem considerados potencializadores e focalizadores
de configurações planetárias.
Um terceiro conceito que tem sido associado com freqüência
à virada do milênio e ao eclipse de agosto é
a era de Aquário. O estudo das eras astrológicas está
no âmbito da Astrologia coletiva, ou mundial, indicando tendências
para longos períodos de tempo e envolvendo eventos em nível
planetário. Segundo interpretações apressadas,
o ano 2000 marcaria a transição da era de Peixes para
a de Aquário. Esta possibilidade até pode estar correta,
já que existem muitas dúvidas quanto ao momento exato
em que a mudança se dará, mas nada tem a ver com a
passagem do milênio no calendário civil.
As eras indicam macrotendências na história
da humanidade. De todos os ciclos que interessam à Astrologia,
são os mais extensos e de sentido mais geral e abrangente.
Enquanto o eclipse é um gatilho que dispara eventos de caráter
tópico e alcance imediato (por imediato, entendemos um período
de até dois anos, aproximadamente), uma mudança de
era significa uma alteração de curso de maior envergadura,
cujos efeitos estendem-se por séculos e só podem ser
claramente compreendidos a partir de um adequado distanciamento
histórico.
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