Leonardo e o resgate de
um arquétipo
A imagem mais forte e mais impactante daquele 23
de junho de 1998 foi transmitida ao vivo por todas as redes de televisão
às 10h15 da manhã: Leonardo, recém-chegado
de um show no interior da Bahia, entra no recinto do velório
e debruça-se sobre o cadáver do irmão, em prantos.
Pólux chorando Castor. Gêmeos sacudido pela presença
da morte. Cobrindo o esquife, a bandeira do Brasil e um chapéu
de vaqueiro. Levantemos o mapa daquele momento: o Ascendente é
25°37' Leo, em oposição ao Ascendente do Grito
do Ipiranga; o Meio-Céu, em 5°33' Gêmeos, está
em conjunção fechada com Lua e Júpiter da carta
do país; no Fundo do Céu, a presença angular
de Plutão; a Lua, na casa 10, está mais uma vez em
Gêmeos, em quadratura praticamente exata com Mercúrio
da carta do Grito do Ipiranga - um Mercúrio que, naquela
carta, era dispositor do Sol, da Lua e de Júpiter, além
de regente da casa 8 do Brasil. O simbolismo não poderia
ser mais significativo e assustador.
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Chegada de Leonardo ao velório - 23.06.1998
- 10h15 - São Paulo, SP - 46w37, 23s32 |
A dupla Leandro e Leonardo já fazia sucesso
no circuito da música sertaneja desde meados da década
de oitenta. Porém, a projeção nacional e e
o estouro nas paradas de sucesso viria apenas em 1990, na esteira
da valorização do estilo country ocorrida durante
o governo Collor. Todo mundo há de lembrar que as duplas
neo-sertanejas - ou tecno-caipiras, se preferirem - foram a "trilha
sonora" da República de Alagoas. Collor assume
o poder quando Plutão em Escorpião quadrava Vênus
radical na casa 6 do Grito do Ipiranga, regente da 4 do Brasil,
prenunciando, simultaneamente, uma profunda intervenção
na vida da população trabalhadora (o confisco da poupança,
decretado no próprio dia da posse de Collor) e uma guinada
nos valores estéticos da classe média, que parecia
ansiosa, então, para redescobrir e revalorizar suas raízes.
1990 é o ano em que o Brasil caipira faz um pacto com a cultura
de massa. Quase ao mesmo tempo em que Collor assume o poder, a TV
Manchete estréia a novela Pantanal, que representa
uma mudança radical no olhar que a teledramaturgia lançava
sobre o próprio país.
Leandro e Leonardo espelham, no aparato dos shows
e dos equipamentos eletrônicos das gravações,
o mesmo casamento entre cultura caipira e tecnologia de ponta verificado
na fascinação compulsiva da troupe de Collor
pelos telefones celulares, jet skis e bugigangas importadas.
Todavia, enquanto Collor tenta arrancar o país do isolamento
secular para lançá-lo na discutível era da
modernidade e da globalização, Leandro e Leonardo
fazem o movimento inverso, apropriando-se do know-how do
show business internacional para levar a todo o país uma
música que reiterava os mesmos eternos temas da música
popular do campo e da periferia das grandes cidades: paixões
melosas, amores infelizes e romantismo de consumo. Enquanto a dupla
canta "Pense em mim / liga pra mim", Collor cerra os punhos
e grita seu patético "Não me deixem só".
O Brasil sempre cultuou representações
de irmãos míticos, seja sob a forma dos santos Cosme
e Damião, seja na roupagem iorubana dos ibejis (os orixás
gêmeos), ou ainda na forma angolana dos erês (crianças).
De tempos em tempos, o mito atualiza-se e ganha expressão
viva, sendo a mais recente a dupla de cantores Claudinho e Buchecha.
O trânsito de Plutão pela casa 10 do Brasil trouxe
à tona uma atualização perversa do mito na
pele de Fernando Collor, um presidente que excluiu o próprio
irmão do círculo do poder e sofreu, em represália,
a humilhação do processo de impeachment a partir das
revelações de Pedro Collor à revista Veja.
Com Plutão em oposição direta
à conjunção Lua-Júpiter, a situação
arquetípica da perda do irmão já se fazia sentir,
desde o início de junho, na destruição da dupla
que reunia as melhores expectativas do povo brasileiro quanto ao
desempenho da seleção nacional na Copa do Mundo. A
exclusão de Romário, em virtude de problemas físicos,
frustrou todos os que o queriam ver jogar ao lado de Ronaldinho.
Romário e Ronaldinho: nomes que, juntos, evocam a mesma sonoridade
dos nomes das duplas caipiras.
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Romário, Fernando Collor, Jânio
Quadros e Leandro: conectados pelo mesmo jogo de aspectos envolvendo
os signos mutáveis no mapa do Brasil. |
O ex-presidente Fernando Collor e o cantor Leonardo,
ambos leoninos, vivenciam de maneira diametralmente oposta a perda
do irmão. Pedro Collor morre de câncer, rompido com
Fernando após desempenhar o papel de Caim, denunciando o
esquema PC Farias. Leandro, ao falecer da mesma doença, resgata
no imaginário popular o arquétipo de Gêmeos
- os irmãos simultaneamente contrastantes e complementares
mas sempre juntos, como unidade dual. Leonardo, ao soluçar
sobre o esquife de Leandro coberto com a bandeira do Brasil e adornado
com o chapéu caipira, cumpriu um ato litúrgico. E
as duzentas mil pessoas que seguiram o cortejo fúnebre em
Goiânia estavam ali não para chorar o cantor morto,
mas para manifestar solidariedade ao irmão sobrevivente que
restaurou com suas lágrimas, no plano simbólico, a
identificação da massa brasileira com os valores da
conjunção Júpiter-Lua do mapa do Grito do Ipiranga.
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